O céu estava especialmente lindo naquele amanhecer. O tom
meio avermelhado, puxando para o azul e anil das nuvens de chuvas próximas
parecia pintura a óleo.
Ela admirava a paisagem de cima do seu cavalo, apenas
esperando o sinal, porém a nostalgia a prendera naquilo que um dia chamava de
lar.
Sete infernos, pensou. Por qual motivo as lembranças se
tornavam cada vez mais fortes e nítidas? Ela gostaria de apagar todo o seu
passado, ele já não lhe servia mais. Era agora uma fora da lei, viajante e dona
das próprias vontades. Sabia que eles estavam vindo e iriam pegá-la. Mas não
tinha medo. Tinha medo por não ter medo.
As pontadas na cabeça pioravam a cada segundo. Lembrou-se
que estava completando seu vigésimo segundo dia de seu nome. Onde estaria se
tivesse permanecido? Provavelmente seria senhora de algum lugar qualquer, que nem lhe
importava o nome, tão infeliz que acabaria morrendo. Se fosse para morrer, que
seja com honra, e levantou o olhar. O sol já aparecia.
A sombra é a parte mais calma da tempestade, alguém lhe
dissera. Ou talvez fosse de algum sonho, ela não se lembrava. Agora compreendia. Sombras eram silenciosas,
astutas e muito inteligentes. Agiam enquanto ninguém percebia. Porém, olhando
para as nuvens acima dela, percebeu que sombras não a assustavam.
Eram sombras,
nada mais que inofensivas. E sentiu-se calma como uma sombra quando ouviu o
galope de cavalos atrás dela. Seus receios e medo- o único que tinha- eram
sombras na tempestade de sua vida. E ela mesma tornar-se-ia em sombra dali a alguns
instantes.
Por fim, antes de sentir o gosto do aço chegar ao fundo da
garganta, a ultima coisa que pôde pensar foi que a sombra é a parte mais calma
da tempestade.